Por Felipe Libório
Ocorreu nessa
segunda-feira, 13, no Auditório Eulálio Chaves da Universidade Federal do
Amazonas, (Ufam), a palestra do SR. Henry Nekrycz, mais conhecido pelo
pseudônimo de Ben Abraham. Nascido na cidade polonesa de Lodz em 1924, Ben
Abraham é um dos sobreviventes do Holocausto judeu ocorrido durante a Segunda
Guerra Mundial. Vivendo no Brasil desde 1955, ele naturalizou-se brasileiro em
1957 e dedica sua vida a escrever e ministrar palestrar sobre a experiência que
viveu. Em visita a Manaus, o jornalista e escritor falou para mais de trezentas
pessoas no auditório Eulálio Chaves, sendo a maioria do público composta por
estudantes do Centro Educacional Lato Sensu. Aqui foram compiladas algumas das
principais perguntas feitas ao sobrevivente durante a palestra e suas
respectivas respostas.
Como era a vida dos judeus na Europa antes do advento do
nazismo? A vida dos judeus na Polônia, onde eu
vivia, já era uma desgraça muito antes do nazismo. Éramos considerados cidadãos
de segunda e terceira classe, sem uma série de direitos e benefícios dos quais
dispunham os poloneses. Pagávamos impostos mais altos, podíamos ser despejados
a qualquer momento, sem qualquer motivo. Nas universidades havia um número
máximo de judeus permitidos e nas salas de aula uma fileira era separada para
os judeus, o que chamávamos de “gueto de cadeiras”. Hitler fez o trabalho sujo
que todos queriam fazer, mas ninguém teve coragem. Durante a guerra, navios
cheios de judeus foram enviados a vários países, inclusive os Estados Unidos, e
mandados de volta ao porto de origem.
Como foi o início das perseguições?
Quando os alemães
chegaram à minha cidade, todos correram para vê-los desfilando com seus uniformes
pardos, carros blindados e todo o aparato de guerra nazista. Não demorou para
que as medidas contra nós fossem tomadas. Primeiro nos foi proibido circular
nas ruas principais, depois fomos obrigados a usar estrelas de Davi amarelas
com a inscrição “Jude” nos braços e nas costas. Os alemães cortavam e
arrancavam as barbas dos religiosos, atiravam aleatoriamente em pessoas do
gueto, homens eram fuzilados nas ruas principais, na frente de suas mães,
esposas, filhos e irmãos.
Como era a vida no gueto?
No gueto faltava comida
e não havia aquecimento. Por causa do frio, muitos adoeciam. Os alemães
instalaram uma fábrica de uniformes e armamentos leves onde éramos obrigados a
trabalhar. Todos os inaptos para o trabalho (idosos, crianças, doentes, mulheres
grávidas) eram levados num caminhão para um lugar desconhecido. Depois da
guerra soubemos que eles eram asfixiados dentro desses caminhões e seus corpos
enterrados em valas comuns. Meu pai adoeceu e morreu por falta de cuidados no
gueto. Ele sofreu tanto que lembro de minha mãe ter dito: “Graças a D-us que
ele morreu.”
Como foi a transferência para os campos?
Em 1943 nós fomos
enviados ao campo de Brauschweig. Éramos transportados em vagões apertados,
muitos estavam doentes, o cheiro era insuportável. Quando chegamos ao campo,
fomos recebidos a chicotadas e separados em três grupos: homens, mulheres e
inaptos para o trabalho. Esses eram enviados diretamente para as câmaras de
gás. Muitas mulheres recusavam-se a se separar de suas crianças e eram levadas
junto com elas. Os dois outros grupos passavam por uma seleção às vistas de um
oficial alemão. Os que eram considerados aptos para o trabalho iam para a
direita e os que eram considerados inaptos, para a esquerda. Passei pela
seleção ao lado da minha mãe. Eu fui para a direita e ela para a esquerda. Foi
a última vez que a vi. Depois disso ainda fui transferido para Watenstadt,
Ravensbruck e, por fim, Auschwitz. Tínhamos que caminhar vários quilômetros no
frio entre um campo e outro. Muitos caíam de cansaço e eram fuzilados no meio
do caminho.
Como era a vida nos campos?
Recebíamos uma miséria
de comida e éramos obrigados a trabalhar o dia todo. Esperávamos ansiosamente
pelo dia do Yom Kipur (quando os judeus jejuam), pois nos era dado uma sopa
reforçada. Muitos se jogavam nas cercas eletrificadas para morrer. Para manter
minha sanidade e o meu otimismo, eu marcava um dia no calendário como o dia da
minha libertação e contava regressivamente até ele. Quando o dia chegava e eu
ainda não havia sido libertado, eu escolhia outra data e começava a contar
novamente.
Como foi a sua libertação?
Na noite do dia 01 de
maio os aliados libertaram Auschwitz. Quando os soldados, que eram
principalmente jovens americanos e ingleses, viam o estado das pessoas, eles
choravam e escondiam o rosto. Eu pesava
28 quilos, tinha tuberculose nos dois pulmões, escorbuto e disenteria com
sangue. Passei vários meses nos hospitais aliados para me recuperar das minhas
seqüelas.
Você guarda algum ressentimento contra a Alemanha pelo que
aconteceu na Segunda Guerra?
O povo alemão tem
tomado muitas medidas para reparar os erros cometidos durante o Holocausto. Eu
mesmo já visitei a Alemanha e dei palestras em escolas e universidades a
convite do governo alemão. No entanto, eu não posso perdoar o que aconteceu, já
que eu fui apenas uma das 6 milhões de vítimas das atrocidades nazistas, além
dos milhares de ciganos, homossexuais, deficientes, eslavos, comunistas e
testemunhas de Jeová. Acredito em medidas para reparar o que aconteceu, mas não
em perdão.
Você acredita que o povo judeu poderia ter agido de forma
mais agressiva para evitar o que aconteceu durante o Holocausto?
Não é possível que uma
pessoa que viva em tempos de paz, alimentada e confortável, possa conceber o
que vivemos naquela época. Quando se vê seus parentes, amigos e vizinhos serem
assassinados diariamente, pessoas morrerem de doenças, fome, quando não se pode
dormir por causa das dores no estômago; a única coisa em que se pensa é em
sobreviver por mais uma hora ou duas. Mesmo assim, no gueto de Varsóvia,
rapazes e moças munidos de armas obsoletas compradas a preço de ouro dos
poloneses se levantaram e desafiaram a maior máquina de guerra que existia na
face da Terra. Sem qualquer chance de vencer ou sobreviver, eles lutaram e
resistiram mais tempo que a Polônia e apenas uma semana a menos que a França, a
Bélgica e Luxemburgo.