sexta-feira, 17 de junho de 2011

Sobrevivente do Holocausto dá palestra na Ufam

Por Felipe Libório


Ocorreu nessa segunda-feira, 13, no Auditório Eulálio Chaves da Universidade Federal do Amazonas, (Ufam), a palestra do SR. Henry Nekrycz, mais conhecido pelo pseudônimo de Ben Abraham. Nascido na cidade polonesa de Lodz em 1924, Ben Abraham é um dos sobreviventes do Holocausto judeu ocorrido durante a Segunda Guerra Mundial. Vivendo no Brasil desde 1955, ele naturalizou-se brasileiro em 1957 e dedica sua vida a escrever e ministrar palestrar sobre a experiência que viveu. Em visita a Manaus, o jornalista e escritor falou para mais de trezentas pessoas no auditório Eulálio Chaves, sendo a maioria do público composta por estudantes do Centro Educacional Lato Sensu. Aqui foram compiladas algumas das principais perguntas feitas ao sobrevivente durante a palestra e suas respectivas respostas.

Como era a vida dos judeus na Europa antes do advento do nazismo?    A vida dos judeus na Polônia, onde eu vivia, já era uma desgraça muito antes do nazismo. Éramos considerados cidadãos de segunda e terceira classe, sem uma série de direitos e benefícios dos quais dispunham os poloneses. Pagávamos impostos mais altos, podíamos ser despejados a qualquer momento, sem qualquer motivo. Nas universidades havia um número máximo de judeus permitidos e nas salas de aula uma fileira era separada para os judeus, o que chamávamos de “gueto de cadeiras”. Hitler fez o trabalho sujo que todos queriam fazer, mas ninguém teve coragem. Durante a guerra, navios cheios de judeus foram enviados a vários países, inclusive os Estados Unidos, e mandados de volta ao porto de origem.

Como foi o início das perseguições?
Quando os alemães chegaram à minha cidade, todos correram para vê-los desfilando com seus uniformes pardos, carros blindados e todo o aparato de guerra nazista. Não demorou para que as medidas contra nós fossem tomadas. Primeiro nos foi proibido circular nas ruas principais, depois fomos obrigados a usar estrelas de Davi amarelas com a inscrição “Jude” nos braços e nas costas. Os alemães cortavam e arrancavam as barbas dos religiosos, atiravam aleatoriamente em pessoas do gueto, homens eram fuzilados nas ruas principais, na frente de suas mães, esposas, filhos e irmãos.

Como era a vida no gueto?
No gueto faltava comida e não havia aquecimento. Por causa do frio, muitos adoeciam. Os alemães instalaram uma fábrica de uniformes e armamentos leves onde éramos obrigados a trabalhar. Todos os inaptos para o trabalho (idosos, crianças, doentes, mulheres grávidas) eram levados num caminhão para um lugar desconhecido. Depois da guerra soubemos que eles eram asfixiados dentro desses caminhões e seus corpos enterrados em valas comuns. Meu pai adoeceu e morreu por falta de cuidados no gueto. Ele sofreu tanto que lembro de minha mãe ter dito: “Graças a D-us que ele morreu.”

Como foi a transferência para os campos?
Em 1943 nós fomos enviados ao campo de Brauschweig. Éramos transportados em vagões apertados, muitos estavam doentes, o cheiro era insuportável. Quando chegamos ao campo, fomos recebidos a chicotadas e separados em três grupos: homens, mulheres e inaptos para o trabalho. Esses eram enviados diretamente para as câmaras de gás. Muitas mulheres recusavam-se a se separar de suas crianças e eram levadas junto com elas. Os dois outros grupos passavam por uma seleção às vistas de um oficial alemão. Os que eram considerados aptos para o trabalho iam para a direita e os que eram considerados inaptos, para a esquerda. Passei pela seleção ao lado da minha mãe. Eu fui para a direita e ela para a esquerda. Foi a última vez que a vi. Depois disso ainda fui transferido para Watenstadt, Ravensbruck e, por fim, Auschwitz. Tínhamos que caminhar vários quilômetros no frio entre um campo e outro. Muitos caíam de cansaço e eram fuzilados no meio do caminho.

Como era a vida nos campos?
Recebíamos uma miséria de comida e éramos obrigados a trabalhar o dia todo. Esperávamos ansiosamente pelo dia do Yom Kipur (quando os judeus jejuam), pois nos era dado uma sopa reforçada. Muitos se jogavam nas cercas eletrificadas para morrer. Para manter minha sanidade e o meu otimismo, eu marcava um dia no calendário como o dia da minha libertação e contava regressivamente até ele. Quando o dia chegava e eu ainda não havia sido libertado, eu escolhia outra data e começava a contar novamente.

Como foi a sua libertação?
Na noite do dia 01 de maio os aliados libertaram Auschwitz. Quando os soldados, que eram principalmente jovens americanos e ingleses, viam o estado das pessoas, eles choravam e escondiam o rosto.  Eu pesava 28 quilos, tinha tuberculose nos dois pulmões, escorbuto e disenteria com sangue. Passei vários meses nos hospitais aliados para me recuperar das minhas seqüelas.

Você guarda algum ressentimento contra a Alemanha pelo que aconteceu na Segunda Guerra?
O povo alemão tem tomado muitas medidas para reparar os erros cometidos durante o Holocausto. Eu mesmo já visitei a Alemanha e dei palestras em escolas e universidades a convite do governo alemão. No entanto, eu não posso perdoar o que aconteceu, já que eu fui apenas uma das 6 milhões de vítimas das atrocidades nazistas, além dos milhares de ciganos, homossexuais, deficientes, eslavos, comunistas e testemunhas de Jeová. Acredito em medidas para reparar o que aconteceu, mas não em perdão.

Você acredita que o povo judeu poderia ter agido de forma mais agressiva para evitar o que aconteceu durante o Holocausto?
Não é possível que uma pessoa que viva em tempos de paz, alimentada e confortável, possa conceber o que vivemos naquela época. Quando se vê seus parentes, amigos e vizinhos serem assassinados diariamente, pessoas morrerem de doenças, fome, quando não se pode dormir por causa das dores no estômago; a única coisa em que se pensa é em sobreviver por mais uma hora ou duas. Mesmo assim, no gueto de Varsóvia, rapazes e moças munidos de armas obsoletas compradas a preço de ouro dos poloneses se levantaram e desafiaram a maior máquina de guerra que existia na face da Terra. Sem qualquer chance de vencer ou sobreviver, eles lutaram e resistiram mais tempo que a Polônia e apenas uma semana a menos que a França, a Bélgica e Luxemburgo.

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