Crônica - Luan Crispim de Andrade
Não conheço outro lugar tão rico em antíteses como o espaço ribeirinho do Bairro de Educandos. O primeiro olhar – que enxerga concreto, madeira e detritos – reconhece imediatamente os problemas sociais dolorosamente agarrados à realidade dos moradores. São ameaçadores becos, marombas improvisadas e moradias inseguras que se confundem com entulhos, dejetos humanos e corpos de animais em decomposição. Não há como evitar o natural incômodo de alguém que desconhecia o viver de pessoas em situações desumanas. Indignação e repulsa são os sentimentos que nasceram à primeira vista, mas foram confrontados com uma realidade que diverge e foge do superficialismo.
As antíteses do Bairro de Educandos são chamadas de muitas formas, mas Cristiane Alves de Souza é o nome que dá origem a estas linhas. Há 37 anos residente do lugar, Cristiane deu os seus primeiros passos e construiu sua historia sobre o solo da região. A moradora representa com fidelidade o caráter de muitos homens e mulheres que superam barreiras aparentemente intransponíveis. As marcas do desemprego, as precárias condições habitacionais, as expectativas infirmadas, a vulnerabilidade ao crime e todos os desafios diários de sobrevivência não produzem as reações naturalmente esperadas. Cristiane narra as suas dificuldades com um sorriso contagiante, que comprova a existência de uma esperança vivaz.
“Se eu ficar mal por causa de todos esses problemas, vou conseguir resolver alguma coisa? Eu tenho uma filha adolescente para cuidar, que precisa de mim. Além de tudo, eu tenho fé. Sei que Deus não me deixa sozinha.” As palavras ditas com tamanha consistência não suavizaram o balanço da casa, que sobreposta em pernas de madeira se movimentava conforme o vento. O saneamento básico inexistente, bem como a cultural negligência dos moradores, justificava o odor desagradável que esporadicamente nos alcançava. Não posso negar que estava difícil colocar-me na posição de Cristiane, principalmente compreender o seu otimismo.
Com uma câmera na mão, mochila nas costas e título de universitário, Cristiane – conjeturo também os demais moradores – apostou em minha participação para processo de resolução dos problemas do Bairro de Educandos. Não tiro de minhas mãos parte desta responsabilidade, confesso, no entanto, que a minha inicial posição de jornalista foi diluída, revelando apenas a minha fragilidade humana. Acreditei que poderia contribuir com conhecimento, mas fui impactado com valores admiráveis enraizados em um solo tão contaminado. Admito que é preciso denunciar a problemáticas sociais que ali existem, mas o tesouro invisível do Bairro Educandos não pode ser enterrado.
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